A parashah de Kedoshim é excelente para quem deseja se aprofundar sobre cada um dos mandamentos ali apresentados, no objetivo de buscarmos a santidade.
Desde honrar os pais, até a guarda do shabat, desde não mentir e usar de falsidade com as pessoas até não comer nada com sangue são muitos as lições literais, morais e espirituais que aperfeiçoam nosso caráter na direção da santidade que o Eterno requer de cada um. Mas basicamente, todos os versículos tratam de justiça; obedecer aos pais é justo, guardar o shabat é justo, mas não é justo ser falso com um irmão, e não é justo deixar de pagar um funcionario, como consta do verso de Lv 19:13: “Não oprimam nem roubem o seu próximo. Não retenham até a manhã do dia seguinte o pagamento de um diarista.”
Eu mesmo já presenciei isso ocorrer muitas vezes. Conheço muitos pedreiros que trabalharam, construiram casas, reformaram, e ao fim, não recebiam o combinado. Há anos atrás trabalhei para uma empresa, que até certo tempo pagava os salarios corretamente, a cada semana, e depois de um certo periodo, começou a atrasar, e aos poucos os funcionarios foram saindo, todos sem receber os atrasados... foi um, outro e outro, até que eu fiquei por ultimo, na esperança de receber; eu havia acabado de comprar meu primeiro carro, e já não tinha como pagar parcelas, contas cotidianas, etc... Lembro-me, como se fosse hoje, da frustração a cada sexta-feira, por de novo não receber, e o que eu diria à minha esposa.
Assim como é justo o trabalhador ser honesto e não “enrolar” o patrão, este deve manter os salários dos funcionários em dia. É uma crueldade muito grande, pois isso também é “usar de falsidade, enganar, mentir” e se aproveitar da dedicação de alguém em benefício próprio. E independente de a empresa passar por situação financeira boa ou ruim, o patrão sempre tem melhores condições financeiras do que o funcionário.
Talvez por isso a justiça trabalhista brasileira sempre acaba dando ganho de causa aos empregados, como parte mais fraca (erroneamente) em detrimento da verdadeira justiça.
Interessante que isso também consta na parashah de Kedoshim. A justiça. Na Torah temos: “Não farás injustiça no juízo, nem favorecendo o pobre, nem comprazendo ao grande; com justiça julgarás o teu próximo.” (Lv 19:15) Noutra versão fala “Não verás face no juízo.” E não há como negar; é difícil ser justo no juízo.
Tomemos como exemplo o julgamento do chamado “mensalão” onde praticamente todos foram “condenados” mas nada de prisão. Um deu desculpa que era doente, outro arrumou emprego, todos tiveram direito a novos julgamentos, e foram amenizados, para revolta do povo, e desapontamento momentâneo (afinal, mês que vem tem copa do mundo, e todo mundo já terá esquecido) É inegável que “se conheceram faces no juízo”. Primeiro porque um pobre nunca chega a ser julgado pelo Supremo; na primeira instância já é condenado e pronto. Segundo que, quem colocou os juízes lá em cima foram os próprios governantes.
O julgamento errado acontece em praticamente todos os níveis e ambientes. Há um velho ditado que diz: “Aos amigos tudo; aos demais, o rigor da lei.” Essa é a realidade. Ser amigo de gente influente é sempre um benefício com que podemos contar.
Fico a imaginar como podem dormir em paz pessoas que julgam dessa forma. O fato de algo ser “permitido de acordo com a lei” não significa que isso seja moral.
A justiça é tão difícil que nessa mesma parashah ela volta a descrever: “Não cometerás injustiça no juízo, nem na vara, nem no peso, nem na medida.” (Lv 19:35) Condenar um culpado é uma coisa; a medida usada na condenação, a vara (o castigo) é outra coisa bem diferente.
Quem pode dizer que condenou por um tempo justo a outro?
Imaginemos uma situação hipotética onde duas pessoas tenham cometido separadamente o mesmo erro (bem comum) de lashon hara, maledicência. Diante de um julgamento, ambos são considerados culpados.
Hipoteticamente, foi feita justiça. Mas aí, na medida a coisa muda. Um é “inimigo” do juiz; o outro é filho do juiz. Aí, por conhecer bem o filho, o juiz pode argumentar que seu filho foi forçado a falar contra a pessoa, que ela é de fato um mau caráter, etc... e seu filho errou, mas um mês de disciplina já é suficiente. O outro, causou grande dano à pessoa, vítima da maledicência, e recebe uma punição de um ano. O julgamento foi certamente injusto. Um talvez por ser rigoroso de menos, e a pessoa não aprendeu a lição; o outro, que sofreu punição “exemplar” vai sofrer injustamente, numa medida exagerada.
Essencialmente, vale o texto da brit chadashah que diz: “não queiram muitos de vós, vos tornardes juizes...” porque é dificil; e de repente você vai se acostumar com o fato de dormir com a consciência tranquila, mesmo tendo errado nos julgamentos.
Sejamos justos com todos ao emitir qualquer juizo; o que é errado é errado, seja cometido por A ou B, e o que é certo é certo. Que HaShem nos dê o discernimento para termos medidas justas, varas justas, balanças justas, seja com nossos filhos ou com meros desconhecidos, porque no fim, todos fomos criados pelo mesmo Criador.