sexta-feira, 7 de março de 2014

Vayikrah: denunciar e se libertar



A Parashah que dá nome também ao terceiro livro da Torah não fala apenas de sacrifícios, embora esse seja o assunto principal. Sacrifícios quase sempre estão ligados ao pecado, mas fingir que não vimos nada, não sabemos de nada também é considerado pecado pela Torah.

Lv 5:1 “E quando alguma alma pecar: sob juramento, sendo testemunha de um fato por ter visto ou sabido; se não o denunciar, levará seu pecado.”
Este texto não nos ensina a sermos “dedo-duro” mas nos mostra a necessidade de apontar. Denunciar um pecado nem sempre é sinônimo de perseguição; pode ser um ato de justiça tanto para com aquele que cometeu o erro, quanto para si próprio, ao livrar a consciência desse peso.
Denunciar, falar ao juiz é o que nos cabe; limpar a consciência. O que o juiz vai fazer já não é de responsabilidade nossa, mas dele. Se o juiz é justo ou injusto (aos nossos olhos)  isso é entre ele e D-us.

Julgar a vida alheia não é tarefa fácil e o melhor de tudo é que não temos essa necessidade. Por isso, a sociedade mesma se encarrega de ter seus próprios juízes; a comunidade judaica tem seu Beit Din, tinha o sinédrio, e isso não os eximia de também cometerem erros.
Deuteronômio 17 fala do ofício dos juízes, que deveriam inquerir bem, perguntar bastante, tirar toda possibilidade de dúvida, de erro, e baseado em no mínimo duas testemunhas, emitir um julgamento. A Brit Chadashah fala do caso de Estêvão, onde foram apresentadas falsas testemunhas, mas será que elas foram bem inqueridas?
Por isso é preciso cuidado. Ao abrir a boca, já emitimos julgamento. E hoje, com facebook rapidamente emitimos julgamento, a cada postagem, a cada foto que alguém publica. Nem prestamos atenção mas logo já estamos dizendo que fulano é isso, aquilo, que está mandando indireta pra esse ou aquele; não acho que uma simples imagem de facebook seja suficiente para julgarmos o caráter de alguém.

Mas voltando ao texto de Levítico, é preciso denunciar o erro. Mas e daí?
Daí que Pirkê Avot 1:8 diz: “Não te constituas em influente de juízes; quando dois contendores estiverem perante ti considera ambos culpados; mas quando saírem da tua presença, olha-os como absolvidos, porque já foram julgados. ”

Daí que quando duas pessoas brigarem, de quem é a culpa? DE AMBOS. E devemos considerá-las assim quando elas se apresentam diante de nós, mas quando viram as costas, considemo-las como absolvidos, porque já foram julgadas.
O que isso significa? Que não devemos ficar o resto da vida marcando uma pessoa. Apontando seus erros do passado. Devemos libertá-las da culpa.

Shaul HaShaliach foi muitas vezes ofendido, ficou triste e podemos dizer que teve que corrigir pessoas, mas veja o que ele diz:
“Porque, se alguém me contristou, não me contristou a mim senão em parte, para vos não sobrecarregar a vós todos; basta ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que, pelo contrário, deveis, antes, perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja, de modo algum, devorado de demasiada tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor. E para isso vos escrevi também, para por essa prova saber se sois obedientes em tudo.” (2 Co 2:5-9)

Se tem uma coisa que aprendi nos anos de liderança congregacional foi que, quando tinha que disciplinar, que corrigir a alguém, essa pessoa demandava de mim mais atenção ainda do que todos os demais. Atenção não era ficar “vigiando” mas “cuidando”. Era um período de aconselhamento, de cuidado, de tratar as feridas. Isso é o trabalho de um pastor.
Paulo dizia aos demais: “Não o tratem mal, mas antes, o consolem (isso não é apoiar o erro, é falar: levante-se, eu te ajudo) para que a pessoa não seja devorada pela tristeza. Confirmem para com ela o vosso amor.”

Isso é cumprir o que diz pirkê avot. “Considera culpado, mas depois de julgar, considera inocente” não fique perseguindo.

Se todos agirmos dessa forma, isso só nos trará benefícios, porque foi dito: “com o critério com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também” (Mt 7:2)


Como diria o poeta: "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás"

Apontar um erro não é sinal de que sejamos inimigos, mas ficar cobrando punição, tentando influenciar juizes para condenar alguém, isso sim é um erro. É se auto-aprisionar em sentimentos negativos.